Há 40 anos, em uma tarde de 19 de janeiro, as televisões interromperam a programação para anunciar a trágica, e inacreditável, morte de Elis Regina, vitimada por uma overdose de cocaína. No mesmo dia em que outra lenda da nossa música, Nara Leão, completava 40 anos, o Brasil ficou sem uma de suas maiores cantoras, para muitos fãs a maior que já tivemos.
Apesar da vida breve, Elis fez muito. Foram mais de 20 discos, incluindo os primeiros álbuns, marcados pelo rock mais ingênuo, os trabalhos ao lado de Jair Rodrigues e a fase estrelar dos anos 70, quando ela gravou seus trabalhos mais importantes e inesquecíveis.
Elis não compunha, mas era daquelas intérpretes que se apossavam das canções que gravava, não à toa, algumas de suas gravações são tidas como as definitivas, mesmo quando comparadas com as feitas pelos seis próprios autores. Sempre interessada em novos nomes, ela também ajudou a popularizar alguns dos nossos maiores autores.
João Bosco, Ivan Lins, Gilberto Gil, Edu Lobo, Milton Nascimento, Renato Teixeira Belchior, Tim Maia e Guilherme Arantes fazem parte desta lista de autores que tiveram a honra de serem gravados por ela
Ouça cinco interpretações inesquecíveis feitas por Elis de canções escritas por algumas das maiores estrelas da nossa música:
"Se Eu Quiser Falar Com Deus" (1980)
Na década de 60, Elis não se deu muito com os Tropicalistas, ela chegou a participar da "passeata contra a guitarra elétrica", e até convenceu Gilberto Gil, que logo estaria gravando com os Mutantes, a se juntar ao grupo.
Da turma dos baianos, foi com Gil mesmo que ela acabou tendo mais afinidade. Seus dois discos de 1966, um da série "Dois Na Bossa", ao lado de Jair Rodrigues e o outro solo, tinham músicas do compositor (o segundo trazia também duas de Caetano, autor a quem ela raramente voltaria) dando início a uma parceria que se estendeu pelos anos seguintes. Quis o destino que a última música nova lançada pela artista em vida tenha sido justamente composta por Gil. A bela versão de "Se Eu Quiser...", foi o lado b do compacto que tinha "O Trem Azul", esta retirada daquele que se tornou o seu derradeiro álbum, no lado A.
"Nada Será Como Antes" (1972)
A relação de Elis com Milton Nascimento também foi longa e produtiva, tendo se iniciado em 1966, quando ela coloca "Canção do Sal" do ainda desconhecido mineiro, como faixa de encerramento de seu LP.
O disco dela de 1972, considerado um dos melhores que gravou, teve como um de seus maiores destaques a versão de "Nada Será...", que o autor também registrou em outro álbum igualmente antológico que celebra 50 anos em 2022: "Clube da Esquina".
"Como Nossos Pais" (1976)
Elis pode ter gravado poucas músicas de Belchior, foram apenas quatro, sendo duas em parceria dele com Fagner, mas é impossível dissociar a cantora do cantor e compositor cearense, pelo simples motivo dessas músicas terem se tornado das mais emblemáticas da MPB na voz dela.
Em 1972, ela cantou "", de maneira marcante, mas foi em 1976, no álbum "Falso Brilhante", outro marco, onde os dois nomes para sempre ficaram unidos no imaginário brasileiro.
O disco abria com duas músicas do compositor e ambas se tornaram grandes sucessos. "Como Nossos Pais" é provavelmente a música que primeiro vem a cabeça ao se pensar em Elis, mas "Velha Roupa Colorida" não fica atrás.
O próprio Belchior as gravou em seu disco "Alucinação" e as suas interpretações são bem distintas, e igualmente válidas, daquelas feitas pela cantora.
"O Bêbado e A Equilibrista" (1979)
A dupla João Bosco e Aldir Blanc encontrou em Elis o mais perfeito veículo para suas músicas. A cantora certamente se identificava com os sambas e boleros da dupla, que uniam bom-humor, drama e crítica social, às vezes em uma mesma canção e gravou muitas músicas deles.
Foram mais de 15, começando com "Bala com Bala", presente no álbum de 1972, e culminando com "Bêbado", uma das duas composições da dupla presente em "Elis, Essa Mulher", e que se tornou uma canção símbolo da cantora, do cantor e compositor e do Brasil como um todo. A faixa foi lançada no momento em que os presos políticos pelo regime militar foram anistiados e puderam retornar ao país, de forma que é impossível dissociá-la do ano de 1979.
"Águas de Março" - 1974
Quando trocou o rock pueril que gravava na CBS pela música brasileira, a partir de 1965 quando entra para a Phillips, a Bossa Nova já tinha atingido o seu pico de sucesso. Ainda que os originadores da revolução maior da música brasileira seguissem inspirados e ativos, eram os artistas que foram influenciados por Tom Jobim e João Gilberto que começavam a dar as caras dando o pontapé inicial para aquilo que, logo, passou-se a chamar MPB.
Com sua voz expansiva e os grandes gestos, o formato "banquinho e violão" não combinavam muito com ela e, nesses primeiros anos, ela não se aventurou muito pelo universo "Jobiniano". A partir de 1968, as músicas do maestro começam a ganhar espaço em seus discos culminando no mais do que fundamental "Elis e Tom".
Lançado em 1974 e frequentemente considerado um dos dez melhores discos de música brasileira já feitos, o LP juntou a cantora e o compositor em um trabalho em formato de songbook - é uma pena que outros trabalhos semelhantes não tenham sido feitos. Com versões definitivas, ou algo muito próximo disso, "Elis e Tom" segue atual e delicioso, especialmente no dueto de "Águas de Março", que ela já havia gravado, brilhantemente, diga-se, em seu álbum de 1972.
Fonte: Vagalume