Diretor do Instituto do Meio Ambiente da PUCRS publicou nota alertando para riscos no abastecimento de água na Região Metropolitana de Porto Alegre. Impactos podem ser vistos em cerca de 25 a 30 anos.
As enchentes que deixaram 180 mortos no Rio Grande do Sul colocaram a situação do Lago Guaíba no centro da preocupação de autoridades, pesquisadores e da população do estado nos últimos meses. O cenário para o futuro também exige atenção: o aumento do nível do mar, a chance de seca e a salinização das águas da Lagoa dos Patos podem comprometer o abastecimento de água em Porto Alegre e na Região Metropolitana.
O alerta é do cientista Nelson Ferreira Fontoura, diretor do Instituto do Meio Ambiente (IMA) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). O pesquisador publicou um texto comentando a possibilidade nos próximos anos.
"Se a gente junta, no futuro, essa elevação no nível do mar, com uma seca decorrente de uma La Niña mais forte, nós vamos ter uma penetração gradativa da salinidade que vai subir ao norte da Lagoa dos Patos, podendo entrar no Guaíba", diz.
Nível do mar pode afetar captação de água no Guaíba — Foto: g1
🧂 O que é a salinidade da água? A Lagoa dos Patos recebe água doce dos rios que desaguam no Guaíba (como Jacuí, Sinos, Gravataí, Caí e Taquari), mas também recebe água salgada do mar, pois tem conexão com o Oceano Atlântico. Por isso, em alguns pontos, apresenta índices consideráveis de salinidade da água.
Essa água é imprópria para o consumo de seres vivos, bem como para o uso na agricultura. Por isso, em lugares onde há esse cenário, é necessário dessalinizar a água, para que ela seja tratada para o consumo, ou captar água doce em outro local.
📈 Qual é a elevação do nível do mar no RS? Fontoura aponta, com base em dados do Sea Level Center (Centro de Nível do Mar, em português) da Universidade do Havaí, que as taxas atuais de elevação do Oceano Atlântico na região da costa do RS são de 3 a 4 milímetros por ano. Ou seja, a cada 10 anos, o aumento mínimo do nível do mar no estado fica entre 3 e 4 centímetros.
📊 Qual é a diferença do nível entre o Guaíba e a Lagoa dos Patos? A diferença de nível entre os dois cursos d'água varia de 20 a 80 centímetros, entre o fim do Guaíba, em Itapuã, no município de Viamão, e o fim da Lagoa dos Patos, em Rio Grande.
"Na maior parte das vezes, a diferença de nível de um extremo e outro é menor que 20 centímetros. Essa diferença é derivada em função do vento. Basicamente, a Lagoa dos Patos é essencialmente plana em relação ao nível do mar. Se o nível do mar sobe, essa água marinha em elevação acaba penetrando na lagoa e salgando a parte central e norte da lagoa", explica Fontoura.
Água da Lagoa dos Patos em Rio Grande — Foto: Reprodução/RBS TV
⚠️ Com base nesses números, qual é o risco? Para o professor, em situações extremas de pouca chuva e de ventos que sopram do sul e do sudeste, as águas salinas poderão atravessar a Lagoa dos Patos em direção ao norte, chegando no Guaíba.
"O desnível é tão baixo que uma elevação considerável de algumas décadas já seria suficiente para conseguir levar um pouco de água salina para a parte norte da lagoa", diz o professor.
🚱 Isso pode prejudicar o abastecimento de água? Sim, afirma Fontoura. Segundo o cientista, "há risco concreto de salinização eventual da principal fonte de água doce da região".
⛈️ Enchentes como as de maio têm influência nesse problema? Não. Na verdade, as cheias são um resultado do mesmo problema que provoca o risco de salinização: os eventos extremos cada vez mais frequentes.
Enquanto a chuva intensa leva muita água dos rios ao oceano pela Lagoa dos Patos, os períodos de seca, potencializados pelo La Niña, têm efeito contrário, fazendo com que a água do oceano alcance pontos mais distantes da lagoa.
Delta do Jacuí e Guaíba, em Porto Alegre — Foto: Reprodução/RBS TV
⏳ Em quanto tempo esse cenário pode se realizar? Não há previsões concretas, porque, segundo o pesquisador, a elevação do nível do mar não segue uma tendência linear. Contudo, o fenômeno poderia impactar a região em cerca de 25 a 30 anos.
"Embora tenha incertezas, existe uma previsão de que o nível do mar possa subir cerca de 25 a 30 centímetros até 2050, 2060. Essa elevação já é maior do que a diferença de nível, na maior parte do tempo, entre o norte e sul da Lagoa dos Patos", diz o diretor do IMA/PUCRS.
🛑 É possível impedir que esses problemas aconteçam? O especialista explica que é fundamental que a sociedade atue de forma a prevenir e mitigar os impactos das mudanças climáticas. No entanto, seria difícil evitar o aquecimento da atmosfera, já em curso.
"Dificilmente uma ação hoje, mesmo que a gente parasse as emissões, evitaria o aquecimento nas próximas décadas. Então, nós temos que pensar também na mitigação, nos prepararmos para esse aquecimento que vem aí. Nesse caso, o que a gente propõe é que a gente torne a cidade mais resiliente na sua capacidade de obter água doce para atender a população", afirma Nelson Ferreira Fontoura.
🏙️ Quais regiões e cidades seriam impactadas? Apenas na Região Metropolitana de Porto Alegre, cerca de 4,4 milhões de pessoas sofreriam com a salinidade das águas da Lagoa dos Patos e do Guaíba.
O problema também afetaria a Costa Doce e os municípios no fim da lagoa, como Pelotas, Rio Grande e outras cidades, onde vivem cerca de 950 mil pessoas.
Lagoa dos Patos — Foto: Reprodução/Bom Dia Brasil
✳️ Quais são as possíveis soluções? Uma das alternativas sugeridas pelo pesquisador é estudar a possibilidade de construção de uma adutora de água na barragem-eclusa de Amarópolis, em General Câmara, no Rio Jacuí, a cerca de 70 km da capital.
Captar água em um local mais distante e em nível mais alto do que o Guaíba e a Lagoa dos Patos "garantiria maior segurança de disponibilidade, além de estar livre de uma eventual penetração de cunha salina", propõe Fontoura.
Questionado sobre a criação de usinas de dessalinização da água, como existem no Oriente Médio e em projetos propostos no Ceará e em São Paulo, Nelson Ferreira Fontoura afirma que o RS poderia encontrar soluções mais baratas com a água doce já disponível.
"Se faz isso em Israel, se faz isso no Oriente Médio, onde se tem usinas desse tipo. Mas aqui, na medida em que a gente ainda tem água doce disponível, é mais barato e mais simples tratar a água doce", diz.
Barragem de Amarópolis, em General Câmara — Foto: Prefeitura de General Câmara/Divulgação
Fonte: g1