Em nota, a Polícia Civil de Goiás informou que o caso é apurado pela Corregedoria da instituição. Médica relata abuso psicológico e intimidação.
Uma médica denunciou ter sido detida após questionar policiais civis que, acompanhados de um detento, exigiram prioridade na realização de um exame de corpo de delito durante o plantão dela no Hospital Estadual de Trindade (Hetrin). Em entrevista ao g1, a médica, que preferiu não se identificar, explicou que solicitou que os policiais aguardassem do lado de fora depois que eles interromperam uma consulta em andamento e, por isso, foi intimidada.
"Fui levada escoltada por três policiais, como uma bandida, enquanto estava trabalhando. Fui levada na frente dos pacientes e dos meus colegas de trabalho. Não consegui dormir de ontem para hoje e sigo bem ansiosa, com medo de ir trabalhar e ter que passar por tudo novamente”, desabafou.
Em nota, a Polícia Civil de Goiás informou que os fatos noticiados estão sendo apurados pela Corregedoria da instituição, e que todas as providências necessárias serão adotadas para a elucidação do caso.
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O caso aconteceu durante o plantão de segunda-feira (18). Segundo o relato da profissional, os policiais entraram no consultório sem serem chamados, enquanto ela atendia outro paciente. Em seguida, ela disse que informou aos policiais que eles precisariam esperar para serem chamados e que não podiam interromper a consulta. Nesse momento, um dos policiais teria ficado alterado e gritado com ela.
"Solicitei que ele aguardasse do lado de fora para que eu pudesse fazer o corpo de delito do paciente. No entanto, colocando a mão no coldre e me intimidando, gritou que não iria sair”, explicou a médica. “A presença dele não era necessária no atendimento, pois, embora ele estivesse escoltando o preso, havia outra policial no consultório que poderia fazer a escolta”, completou.
Hospital Estadual de Trindade (Hetrin) — Foto: Reprodução/TV Anhanguera
A médica contou que terminou o exame de corpo de delito por volta das 20h40 e, às 21h, os policiais retornaram. A profissional disse que foi surpreendida quando eles entraram no consultório, começaram a filmá-la e, em seguida, deram voz de prisão em flagrante por desacato, afirmando que ela deveria acompanhá-los "por bem ou por mal".
“Levantei e fui sem questionar nada. Naquele momento, o hospital estava lotado, com cerca de 40 pacientes esperando atendimento, inúmeros retornos e a sala vermelha cheia. Perguntei a eles se iriam deixar o hospital sem médico e eles disseram que sim”, disse a médica.
O Hospital Estadual de Trindade (Hetrin) afirmou que lamenta o ocorrido e informou que está colaborando com a apuração dos fatos. A unidade disse que segue "empenhada em oferecer o melhor atendimento à população, prestando apoio a todos os profissionais que com ela se relacionam, incluindo servidores da saúde e autoridades policiais".
Em nota, o Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) informou que vai apurar se houve falha na conduta ética da profissional, mas repudiou e lamentou como os policiais agiram, "desrespeitando e coagindo a médica em seu trabalho, desrespeitando o paciente cujo atendimento estava sendo finalizado quando entraram no consultório e efetuando uma prisão arbitrária" (leia nota completa no fim da reportagem).
Na delegacia
Ao chegar à delegacia, a médica contou que teve seu celular apreendido e foi informada de que estava presa. Quando foi chamada pelo delegado para prestar depoimento, relatou os acontecimentos e ele a informou de que seria liberada após o depoimento.
No entanto, a médica afirmou que uma das policiais envolvidas na prisão começou a tentar coagi-la psicologicamente, acusando-a de tirar fotos dela de forma escondida — algo que a médica nega. O intuito, segundo a profissional, era que ela reagisse.
Desesperada, a médica afirmou que entrou em contato com sua advogada e mencionou a possibilidade de denunciar abuso de autoridade. A policial, ao ouvir isso, a intimidou novamente, dizendo que ela poderia processá-la, mas sem provas teria de arcar com a consequência de um falso testemunho.
"Ao escutar isso, [a policial] foi até mim e disse: "Você pode até entrar com processo contra, mas pensa bem porque você não tem como provar, né? A pena para falso testemunho é alta, viu? Daí, que deixaríamos você presa mesmo. Cito palavras dela", disse a médica.
A médica disse que chegou à delegacia por volta das 21h10 e o depoimento só foi registrado por volta das 23h. Enquanto aguardava, contou ter sofrido abuso psicológico. “Fui liberada às 23h50 e mandaram que eu pedisse um Uber para ir embora, o que foi bem difícil de conseguir devido ao horário e à chuva. Retornei ao hospital, mas não consegui finalizar o plantão por estar emocionalmente abalada e ansiosa”, afirmou.
Defesa da médica
Em entrevista ao g1, a advogada da médica, Luísa Siqueira, afirmou que uma ação será ajuizada contra o estado.“Iremos defendê-la no processo criminal, provando sua inocência, e ajuizaremos uma ação contra o estado buscando reparação pelos danos morais sofridos. Farei uma representação junto ao Ministério Público sobre o caso também”, afirmou.
A advogada ressaltou que, em nenhum momento, a médica desacatou os agentes, “limitando-se a agir em conformidade com os preceitos éticos e legais de sua profissão”.
Nota Cremego
Cremego repudia prisão de médica e cobra apuração dos fatos. O Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) tomou conhecimento das circunstâncias da prisão de uma médica, na noite de ontem, 18, no Hospital de Trindade.
O Cremego vai apurar em caráter de urgência se houve falha na conduta ética da profissional, mas desde já repudia e lamenta como os policiais agiram, desrespeitando e coagindo a médica em seu trabalho, desrespeitando o paciente cujo atendimento estava sendo finalizado quando entraram no consultório e efetuando uma prisão arbitrária.
Esperamos que o governador e médico Ronaldo Caiado, que tanto preza pela segurança pública em Goiás, e que as autoridades policiais e de segurança também apurem o fato de forma rígida.
Os médicos já estão sendo muito penalizados pelas más condições de trabalho na rede pública e não podem ficar expostos a mais essa forma de agressão e desrespeito.
Fonte: g1